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A falsa ideia de que precisamos estar sempre felizes: a cultura da felicidade obrigatória


Introdução

Vivemos em uma era onde a felicidade se tornou uma obrigação. As redes sociais, discursos motivacionais de supostos coaches e até mesmo o mercado consumidor vendem a ideia de que devemos estar sempre positivos, sorrindo e gratos. Esta imposição cultural forja uma mentalidade que rejeita emoções consideradas "negativas" e que qualquer sentimento de tristeza, angústia ou frustração passa a ser visto como uma falha pessoal. Esse fenômeno tem sido chamado atualmente de positividade tóxica, que gera um efeito contrário: a repressão de sentimentos genuínos.

A obra freudiana de 1915 denominada O Recalque nos diz que reprimir emoções não as elimina – apenas as empurra para uma instância psíquica denominada inconsciente, de onde podem retornar de forma sintomática, ou seja, através de doenças autoimunes, compulsões, vícios, lapsos, esquecimentos, etc.

A exigência de estar sempre bem impede o sujeito de processar suas angústias de maneira saudável. Adotar um estilo de vida de "felicidade constante" pode gerar ao sujeito um sofrimento profundo graças ao gasto de energia mental utilizado para se manter neste estado.


Freud e o olhar para o mal-estar da civilização

Em sua obra O mal-estar na civilização de 1930, Sigmund Freud apontava que o ser humano não nasceu para a felicidade plena, mas para a busca pela satisfação. Nesta toada, ele diferencia o princípio do prazer e o princípio da realidade. O princípio do prazer nos impulsiona a buscar gratificação imediata, evitando o desprazer a todo custo. No entanto, à medida que crescemos e vamos nos inserindo na sociedade, precisamos aprender a lidar com frustrações e adiar certas satisfações para atender às exigências da realidade. Esse processo faz parte de nosso desenvolvimento como sujeitos.

Portanto, a felicidade plena e constante é uma total ilusão. O que é possível buscar é um equilíbrio entre os nossos desejos e as limitações impostas pela civilização. Pequenas doses de satisfação, intercaladas com momentos de frustração, fazem parte da experiência humana e são fundamentais para o desenvolvimento da nossa subjetividade.


O supereu e a culpa por não estar feliz

Eu preciso mencionar outro conceito psicanalítico, o do supereu. Esta instância psíquica representa o conjunto de normas, proibições e ideais internalizados ao longo da vida durante o processo de socialização do sujeito. Para se fazer funcionar, é importante que assuma um papel extremamente rígido e pautador do comportamento e subjetividade humanas, não importa a época que uma sociedade está vivendo.

Tomando-se os tempos atuais, percebe-se uma autocobrança excessiva do sujeito em relação a si mesmo rumo à uma autorrealização a níveis surreais e na sensação de culpa sempre nos momentos em que se sente triste, desmotivado ou angustiado. Freud já nos alertava em sua obra O ego e o id de 1923 que o supereu pode ser um grande tirano interno, impondo exigências impossíveis de serem atendidas e causando sofrimento psíquico.


A importância de acolher todas as emoções

Eu sempre digo para os meus pacientes que reconhecer e acolher nossas emoções, sejam elas alegres ou dolorosas, é essencial para uma vida psíquica saudável. Não existe emoção "boa" ou "ruim" . Existem apenas emoções, que são nosso farol no meio da escuridão da inconsciência. Negar o sofrimento nos impede de compreender o que ele quer nos comunicar a nosso respeito.

A tristeza, por exemplo, pode ser um indicativo de que algo em nossa vida precisa de atenção e mudança. A angústia pode ser um sinal de que há conflitos internos que precisam ser elaborados. Ignorar essas emoções apenas prolonga o sofrimento, enquanto aceitá-las pode abrir espaço para a transformação para uma vida mais leve.


Conclusão: o verdadeiro sentido da saúde mental

Não há problema nenhum em não estar feliz o tempo todo. A vida é feita de altos e baixos, e é justamente essa alternância de experiências que nos permite crescer, reinventar e encontrar sentido na existência.

A verdadeira saúde mental não está em eliminar a tristeza, mas sim em saber lidar com ela de maneira construtiva. Em vez de buscar uma felicidade artificial e constante, é mais produtivo aprender a navegar pelas diferentes emoções de forma consciente e integrada. Afinal, somos seres humanos complexos, e é essa complexidade que nos torna verdadeiramente vivos e únicos.

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