Hoje tive uma sessão sobre luto que me fez lembrar sobre esse texto brilhante de Sigmund Freud, no século XX. Vou explicar, aqui, em palavras que não sejam difíceis para o público que não são psis, então, vamos lá!
O luto é caracterizado como uma perda de algo significativo entre uma pessoa e seu objeto (chamamos de objeto, na Psicologia, qualquer objeto real, pessoa ou experiência que o indivíduo possa interagir). Sendo assim, o luto é um fenômeno mental natural e constante durante o desenvolvimento humano. Nesse contexto, acaba implicando diretamente no trabalho de profissionais da saúde, tornando-se um conhecimento necessário para o amparo adequado àqueles que sofrem a perda.
A ideia de luto não se limita apenas à morte, mas o enfrentamento das sucessivas perdas reais e simbólicas durante o desenvolvimento humano. Deste modo, pode ser vivenciado por meio de perdas que perpassam pela dimensão física e psíquica, como os elos significativos com aspectos pessoais, profissionais, sociais e familiares do indivíduo.
Por exemplo: O simples ato de crescer, como no caso de uma criança que se torna adolescente, vem com um doloroso luto do corpo infantil e suas significações, igualmente, o declínio das funções orgânicas advindo com o envelhecimento.
Para Freud, no luto, nada existe de inconsciente a respeito da perda, ou seja, o enlutado sabe exatamente o que perdeu. Além disso, o luto é um processo natural instalado para a elaboração da perda, que pode ser superado após algum tempo e, por mais que tenha um caráter patológico, não é considerada doença (a não ser que vire melancolia – a depressão).
O luto é um processo lento e doloroso, que tem como características uma tristeza profunda, afastamento de toda e qualquer atividade que não esteja ligada a pensamentos sobre o objeto perdido, a perda de interesse no mundo externo e a incapacidade de substituição com a adoção de um novo objeto de amor.
Esse processo é doloroso, porém, a justificativa para isso seria encontrada quando tivessem condições de apresentar uma caracterização da dor. Em 1926, o autor apresenta que a Dor, na dimensão mental, também é a reação real à perda do objeto. Segundo Freud (1926), quando há uma dor física, um alto grau da parte do corpo que se sente a dor, há uma liberação de energia psíquica. Na dimensão mental, diante de uma situação dolorosa, essa liberação está concentrada no objeto do qual se sente falta ou que está perdido, por não poder ser apaziguada a liberação, tende a aumentar com firmeza. A dor na dimensão mental produz a mesma condição econômica que é criada diante de uma dor física.
No processo de luto, a inibição de qualquer atividade que não esteja ligada ao objeto perdido e à perda de interesse no mundo externo ocorre por essa liberação de energia psíquica causada pela perda do objeto que continua a aumentar e tende, por assim dizer, a esvaziar o ego (o eu). Essa inibição é expressão de uma exclusiva devoção ao luto, devoção que nada deixa a outros propósitos ou a outros interesses. Também não apresenta necessariamente uma implicação patológica, sendo uma restrição da função do ego imposta como medida de precaução ou acarretada como resultado de um empobrecimento de energia. O ego, no estado do luto, se vê envolvido e absorvido em uma tarefa psíquica particularmente difícil, perdendo uma grande quantidade de energia à sua disposição, tendo que reduzir o consumo dessa energia em muitos pontos ao mesmo tempo.
A capacidade do indivíduo se relacionar com o mundo externo depende da sua capacidade de distinguir entre percepções internas e externas. Por meio do teste de realidade, o indivíduo se defronta com cada lembrança do objeto amado perdido e envolve o ego em uma persuasão, diante da questão de saber se seguirá o mesmo destino do objeto ou continuará vivo, assim é convencido pelo prazer de estar vivo e se desliga do objeto.
Freud nega que nessa persuasão contém o triunfo acerca do luto. Para o autor, o triunfo tinha características da mania como uma grande euforia relacionada à economia. Quando não se tem necessidade de fazer grande esforço para alcançar alguma condição, por exemplo, o fato de ganhar uma grande quantia de dinheiro na loteria pouparia o indivíduo de trabalhar para adquirir dinheiro, essa situação promoveria grande euforia, a qual não se vê quando o trabalho de luto é realizado e o ego se vê livre para investir sua libido em outro objeto.
Freud traz o conceito de melancolia (depressão), esta toma os mesmos sintomas do luto, exceto por uma perturbação na autoestima. O melancólico se autodeprecia de maneira exagerada. Esse estado também tem um caráter mais inconsciente e ideal, pois não se sabe o que foi realmente perdido uma vez que o objeto não precisa ter necessariamente morrido, mas apenas ter sido perdido enquanto objeto de amor, por exemplo, em um término de relacionamento.
A autodesvalia expressada pelo melancólico acontece porque o ego se identifica com o objeto de amor perdido, que faz que a energia psíquica vinculada ao objeto se volte para o indivíduo. Dessa forma, a energia é julgada como se fosse um objeto, o objeto de amor perdido. É também por essa razão que o enlutado não sente vergonha ou demonstra se incomodar em expressar seu ódio e recriminações que, apesar de serem ditas de si mesmo, parecem se referir a outra pessoa, ao ser amado que agora está de certa forma, instalado dentro do seu próprio eu (ego).
O ego tem um ímpeto de sobrevivência, porém, no caso da melancolia, há um conflito expressado sintomaticamente como desvalia, causado pelo objeto amado incorporado, que traz um sentimento de abandono ao enlutado. O suicídio, por exemplo, só poderia ser praticado para a agressão de outro, ainda que outro que se encontra dentro do próprio ego. "No luto, é o mundo que fica pobre e vazio; na melancolia, é o próprio ego".
A incorporação do objeto perdido, no teste de realidade traz ao ego a constatação de que o objeto já não mais existe, forçando o seu desligamento da energia psíquica. O teste de realidade então, de encontro com o princípio do prazer, visa alcançar um prazer em longo prazo – ainda que evidencie um prazer que no momento o indivíduo não queira ver – quando a dor adiante for superada. Porém, na melancolia há uma manutenção do objeto visando a um prazer imediato, mantendo-o vivo dentro do ego, de forma que o princípio do prazer tenha se sobressaído ao princípio de realidade, causando essa interminável ligação ao objeto.
Freud comenta que o princípio de prazer é um método do funcionamento psíquico, mas que, no ponto de vista da autopreservação em relação ao mundo externo, ele se torna ineficaz e perigoso. Dessa forma, é substituído pelo princípio de realidade que é capaz de fazer um adiamento da satisfação em favor da autopreservação.
Nós devemos voltar ao estado em que nos encontrávamos antes da perda, ou o mais próximo possível, seja com o ego (eu) desinibido para novos investimentos no mundo externo, seja com o mundo interno harmonioso e bem estabelecido de objetos bons.
A perda de algum objeto amado traz, ainda que momentânea, a fragmentação e desestruturação do sujeito. Portanto, é possível concluir que o luto é um processo de reconstrução e reorganização diante de uma perda, desafio psíquico com o qual o sujeito tem de lidar.
Obrigada por ter chegado até aqui e também ser um apaixonado ou apaixonada pela Psicologia!
Até breve! 😊
Raísa Suzuki
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