Por que estamos todos tão cansados?
- Thiago Rodrigues
- 13 de jul. de 2023
- 5 min de leitura
Atualizado: 20 de jul. de 2023

Nos últimos anos, tenho percebido, em minha prática clínica, que os casos dos pacientes parecem mudar de acordo com o momento sociocultural que atravessamos. Neste contexto, é verdadeiro afirmar que a pandemia de COVID-19 trouxe aos consultórios os ansiosos, os que desenvolveram depressão (em maior ou menor grau), aqueles em quem apareceram os sintomas hipocondríacos e até mesmo os que se beneficiaram do distanciamento social e das normas de saúde implementadas neste período.
Neste texto, no entanto, pretendo me ater a uma categoria de pacientes que cada vez mais aparece na clínica: Os que sofrem de Burnout. Àquelas pessoas que se encontram em um estado perpétuo de exaustão, que sob nenhum pretexto descansam, os que têm mentes e pensamentos sempre acelerados e que, por fim, estão, invariavelmente, exaustos.
Farei uso de textos lacanianos para pensar sobre esta questão e também me apoiarei no livro “Sociedade do Cansaço” de Byung-Chul Han, que é um ensaio filosófico que nos leva a questionar esta “pandemia” de cansaço ou de exaustão. Vamos lá?
Nos últimos anos, o termo Síndrome de Burnout foi cunhado para definir e estabelecer alguns sintomas físicos e psicológicos de pessoas que se queixavam das condições de trabalho e do trabalho em si como ambiente adoecedor. O termo é relativamente novo, foi apresentado pelo médico Herbert Freudenberger em 1974, mas nem de longe o fenômeno é novo.
A síndrome do esgotamento profissional ou Burnout é um estado de exaustão física e mental resultante da exposição prolongada a situações de estresse crônico, relacionadas ao trabalho. É caracterizado por sintomas como fadiga intensa, falta de motivação, irritabilidade, diminuição do desempenho e sentimentos de fracasso e despersonalização.
E o que isso tem a ver com a pandemia?
Durante o período de isolamento social, as pessoas que puderam se manter em casa trabalhando perderam a noção do horário de desligamento do trabalho. A rotina laboral podia ser mais “livre”, mas a pressão por resultados ainda era constante e estava presente durante o dia todo. Neste contexto, a rotina do funcionário era ditada pela sua “disposição para trabalhar”, as cobranças podiam chegar por WhatsApp, e-mail e outras ferramentas, e a casa do sujeito se transformou do dia para a noite no seu escritório.
Devemos lembrar, também, que mesmo sendo esse um quadro extremamente adoecedor, diante de outros este ainda era um dos mais confortáveis, pois sabemos que diversas pessoas sequer puderam fazer o isolamento social sem que seu trabalho e sua renda fossem ameaçados.
Uma pesquisa realizada em 2022 pela Organização Mundial da Saúde (OMS) revelou que aproximadamente 25% da população trabalhadora mundial sofre de Burnout em algum grau. Este é o período em que, em tese, já estávamos mais acostumados ao isolamento, é o período no qual as vacinas já estavam sendo administradas e as pessoas voltavam a ter “uma vida normal”, e mesmo assim, um quarto da população mundial desenvolvia sintomas desta síndrome.
Por isso é importante enfatizar que este é um quadro com base multifatorial, ou seja, não é somente o fato de trabalhar muito que pode te levar a desenvolvê-lo, embora este seja um ponto de alerta. Entre alguns dos fatores, destaco: longas jornadas, prazos apertados e responsabilidades excessivas podem levar ao desgaste físico e emocional. Falta de apoio, conflitos interpessoais, falta de reconhecimento e falta de autonomia podem intensificar o estresse. A pressão para atender expectativas externas e internas, buscando o sucesso e a perfeição, pode levar ao esgotamento.
Um dos argumentos apresentados no livro de Han é que vivemos em uma sociedade caracterizada pela produtividade incessante, pela busca constante por resultados e pela supervalorização do individualismo. Nesse contexto, as demandas do trabalho se tornam cada vez mais intensas, e os indivíduos se veem pressionados a corresponder a essas expectativas, muitas vezes em detrimento de sua saúde mental e emocional.
A sobrecarga de trabalho e a falta de tempo para descanso e recuperação são elementos-chave que contribuem para o surgimento do Burnout. As pessoas se encontram em um ciclo exaustivo, em que o tempo livre é invadido por preocupações relacionadas ao trabalho, e o descanso se torna um conceito afastado do campo de possibilidades e o indivíduo se vê aprisionado em uma lógica em que seu valor é determinado pelo seu desempenho profissional, alimentando a sensação constante de esgotamento e desgaste emocional.
Para compreender o Burnout não só como um sintoma clínico, mas como algo que se tornou intrínseco ao funcionamento sociocultural, devemos dispensar especial atenção a discursos individualizantes e culpabilizantes que promovem um olhar sobre o indivíduo como um mero produto que pode ser melhorado, adestrado, educado e curado por meio de técnicas rasas que prometem resultados fantásticos. Estes discursos de "estude enquanto eles dormem", "O trabalho é que dignifica o homem" e etc., são em grande medida parte do problema a ser combatido. Estes discursos "pseudo-motivacionais" aprofundam a sensação de que sempre se pode fazer um pouco mais, de que o sofrimento é bobo ou pequeno quando temos à nossa frente uma grande recompensa, que basta um pouco mais de empenho e você será um dos eleitos.
É importante lembrar que a motivação é um conceito legítimo e possível, e que existem maneiras saudáveis de se cultivar esta característica, porém creio que devemos refletir se devemos guiar o nosso desejo somente em nome de nos motivar para o trabalho em detrimento de outras áreas da nossa vida.
A perspectiva psicanalítica sobre o burnout, à grosso modo, pode ser compreendida como uma falha no equilíbrio entre o sujeito e o seu desejo. Lacan, por exemplo, enfatiza a importância do desejo na constituição subjetiva e argumenta que o desequilíbrio entre a demanda externa e a demanda interna do sujeito pode levar ao esgotamento. O burnout seria, então, uma consequência do excesso de demandas externas em detrimento da falta de cuidado e atenção às necessidades internas do sujeito.
Para lidar com esta síndrome, é essencial adotar abordagens terapêuticas que atendam às necessidades individuais de cada pessoa. Propomos então que a escuta clínica e a desconstrução dos padrões de funcionamento podem auxiliar na reconstrução do sujeito em relação ao trabalho e ao seu desejo. Além disso, é importante promover mudanças no ambiente de trabalho, como políticas organizacionais saudáveis, apoio emocional, promoção do equilíbrio entre vida pessoal e profissional e incentivo ao autocuidado.
Por fim, devemos lembrar que o que acomete nossa sociedade como sintoma não é só cansaço. É fruto de uma sociedade inteira que se organizou de maneira adoecedora, é um sistema que nos coloca sempre em uma posição de insegurança e que nos induz a pensar que, sem trabalhar até a exaustão, não alcançaremos a realização dos sonhos. Por isso, mesmo que o tratamento psicológico seja imprescindível para superar a Síndrome de Burnout, precisamos urgentemente nos reorganizar como sociedade e entender, finalmente, o porquê de estarmos tão cansados.
Thiago Rodrigues
Psicólogo - CRP 11/10198
Contato: (85) 98925-4549 Instagram: Thiago Rodrigues (@thiagorodrigues.psi) • Fotos e vídeos do Instagram
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